O problema foi apresentado a Allan Kardec em carta reproduzida na REVISTA ESPÍRITA de agosto de 1863, por um espírita de Lucarno, pequena cidade turistica da Suíça, mas constitui-se na dúvida de muitos: -“Porque Deus permite que os bem intencionados sejam enganados pelos que os deveriam esclarecer? Com aquela ponderação característica o Mestre lionês responde: -“O mundo corpóreo, retornando ao mundo espírita pela morte, e o mundo espírita, fazendo o caminho inverso pela reencarnação, resulta que a população normal do espaço que circunda a Terra é composta de Espíritos provenientes da Humanidade terrestre. Sendo esta Humanidade uma das mais imperfeitas, não pode dar senão produtos imperfeitos, razão por que à sua volta pululam os Espíritos maus. Pela mesma razão, nos mundos mais adiantados, onde o bem reina sem limite, só há Espíritos bons. Admitindo isto, compreender-se-á que a intromissão, tão frequente, dos Espíritos maus nas relações mediúnicas é inerente à inferioridade do nosso globo; aqui se corre o risco de ser vítima dos Espíritos enganadores, como num país de ladrões o de ser roubado. Não se poderia perguntar, também, por que permite Deus que pessoas honestas sejam despojadas por larápios, vítimas da malevolência e alvo de toda sorte de misérias? Perguntai antes por que estais na Terra, e vos será respondido que é porque não merecestes um lugar melhor, salvo os Espíritos que aqui estão em missão. É preciso, pois, sofrer-lhe as consequências e envidar esforços para dela sair o mais cedo possível. Enquanto isto, é necessário esforçar-se por se preservar das investidas dos Espíritos maus, o que só se consegue lhes fechando todas as brechas que lhes poderiam dar acesso em nossa alma, a eles se impondo pela superioridade moral, a coragem, a perseverança e uma fé inabalável na proteção de Deus e dos Espíritos bons, no futuro que é tudo, ao passo que o presente nada é. Mas como ninguém é perfeito na Terra, ninguém se pode vangloriar, sem orgulho, de estar ao abrigo de suas malícias de maneira absoluta. Sem dúvida a pureza de intenções é importante; é a rota que conduz à perfeição, mas não é a perfeição e, ainda, pode haver, no fundo da alma, algum velho fermento. Eis por que não há um só médium que não tenha sido mais ou menos enganado. A simples razão nos diz que os Espíritos bons não podem fazer senão o bem, pois, do contrário, não seriam bons, e que o mal só pode vir dos Espíritos imperfeitos. Portanto, as mistificações só podem provir de Espíritos levianos ou mentirosos, que abusam da credulidade e, muitas vezes, exploram o orgulho, a vaidade ou outras paixões. Tais mistificações têm o objetivo de pôr à prova a perseverança, a firmeza na fé e exercitar o julgamento. Se os Espíritos bons as permitem em certas ocasiões, não é por impotência de sua parte, mas para nos deixar o mérito da luta. A experiência que se adquire à sua custa sendo mais proveitosa, se a coragem diminuir, é uma prova de fraqueza que nos deixa à mercê dos Espíritos maus. Os Espíritos bons velam por nós, assistem-nos e nos ajudam, mas sob a condição de nos ajudarmos a nós mesmos. O homem está na Terra para a luta; precisa vencer para dela sair, senão fica nela”.
É do Odair Paisano Lima, a seguinte colocação: “Vocês falaram neste programa que Jesus disse “Sede perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito”. Isso quer dizer que, se podemos chegar à perfeição de Deus, então seremos todos iguais a Deus, e logo não haverá mais um único Deus, mas muitos deuses. Eu pergunto: É possível isso? Todos vamos ser como Deus?”
Odair, não devemos interpretar o texto ao pé da letra, ou seja, de forma direta como está escrito. Há várias razões para pensar assim. Aqui, vamos abordar apenas uma. Os textos evangélicos, que chegaram até nós, são o resultado de muitas traduções, interpolações e supressões que vieram caminhando de mão em mão ao longo dos séculos. É preciso ver no idioma original de Jesus (Jesus falava o aramaico e os evangelhos foram escritos em grego), o que realmente ele quis dizer com isso, pois cada idioma, cada povo, em cada época, dá à cada palavra ou expressão conotações muito próprias daquele momento e que, muitas vezes, os tradutores não conseguem captar.
Mesmo assim, ao lermos essa frase, “sede perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito”, precisamos buscar o fundo da idéia e não ficar apenas na superfície. Na verdade, Jesus não está dizendo que seremos tanto quanto Deus em matéria de perfeição, mas que precisamos nos aperfeiçoar tendo Deus em vista – quer dizer, tomando Deus por meta de aperfeiçoamento. Isso porque a perfeição de Deus é única, absoluta, não pode haver outra. Se houvesse outra, Deus não seria Deus, pois não estaria mais no comando absoluto de tudo que existe.
Você percebe que é uma questão filosófica. Hegel, filósofo alemão, que viveu entre os séculos 18 e 19, referindo-se a Deus, afirmou que “ser perfeito é aquele que possui todas as perfeições”; e uma das perfeições é o fato de ser único, de não ter concorrente ou nada que se lhe compare. Isso, no entanto, como criaturas de Deus, não nos tira a possibilidade de sermos perfeitos, mas não de sermos perfeitos como Deus. Enquanto a perfeição de Deus é absoluta ( no sentido e que não existe outra), a nossa perfeição, a perfeição do Espírito, é relativa, até porque, se alcançássemos a perfeição de Deus, nós nos fundiríamos com Ele e cada um de nós não seria mais um indivíduo; ou seja, perderia a sua individualidade.
Isso quer dizer que – eu, você – cada um de nós vai atingir a sua própria perfeição; isto é, a minha perfeição não será a sua perfeição, nem a sua perfeição será a perfeição de outro Espírito qualquer. Cada um terá a sua, porque continuará a ser uma individualidade. Logo, a perfeição do Espirito é exclusiva, mas não é absoluta – ou seja, não pode ser única no sentido de que não existam outras perfeições. O que Jesus disse foi no sentido que, sendo Deus perfeito, ele quer que todos seus filhos também se aperfeiçoem e sejam tão perfeitos quanto suas potencialidades naturais permitam. Essa perfeição seria a felicidade de cada um.
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