Abrindo o número de abril de 1867, da REVISTA ESPÍRITA, Allan Kardec apresenta interessante artigo comentando o lançamento de um drama em versos assinado por um escritor chamado Ponsard, a respeito do personagem histórico Galileu, o primeiro a fazer uso científico do telescópio, ao realizar observações astronômicas com ele, defendendo em março de 1610, após descobrir e analisar os satélites de Júpiter, o sistema heliocêntrico de Copérnico, ou seja, que a Terra não era o centro do nosso Sistema, mas o Sol. Se considerarmos o que era a Terra conhecida de então; o tempo que qualquer conhecimento necessita para se incorporar no inconsciente coletivo; as barreiras de conceitos e preconceitos que tem de destruir para tornar-se de domínio público, concluiremos que a dita Ciência – rompidas as amarras em que a mantinha a Religião -, caminhou celeremente até aqui. Em todos os seus seguimentos. Apesar disso, num dos países mais tecnologicamente desenvolvidos do Planeta, existem milhares de pessoas que ainda negam a Teoria Evolucionista de Darwin. Esclarecendo não tratar o texto de Espiritismo, destaca que a ele se liga por um lado essencial: o da pluralidade dos mundos habitados. Em seu comentário, pondera Kardec: -“O destino da Humanidade está ligado à organização do Universo como o do habitante o está à sua habitação. Na ignorância desta organização, o homem deve ter tido sobre seu passado e seu futuro, ideias em relação com o estado de seus conhecimentos. Se tivesse sempre conhecido a estrutura da Terra, jamais teria pensado em colocar o inferno em suas entranhas; se tivesse conhecido o Infinito do espaço e a multidão de mundos que aí se movem, não teria localizado o céu acima do céu de estrelas; não teria feito de Terra o ponto central do Universo, a única habitação dos seres vivos; não teria condenado a crença nos antípodas como uma heresia; se tivesse conhecido a Geologia, jamais teria acreditado na formação da Terra em seis dias e em sua existência desde seis mil anos. A ideia mesquinha que o homem fazia da Criação devia dar-lhe uma ideia mesquinha da divindade. Ele não pode compreender a grandeza, o poder, a sabedoria Infinitas do Criador senão quando seu pensamento pode abarcar a imensidade do Universo e a sabedoria das Leis que o regem, como se julga o gênio de um mecânico pelo conjunto, harmonia e precisão de um mecanismo, e não à vista de uma simples engrenagem. Só então as ideias puderam crescer e elevar-se acima de seu limitado horizonte”. Mais à frente, Allan Kardec acrescenta: -“Como um dos primeiros a revelar as Leis do Mecanismo do Universo, não por hipóteses, mas por uma demonstração irrecusável, Galileu abriu caminho a novos progressos. Por isto mesmo, devia produzir uma revolução nas crenças, destruindo os andaimes dos sistemas científicos errados, sobre os quais elas se apoiavam. A cada um sua missão. Nem Moisés, nem o Cristo tinham a de ensinar aos homens as Leis da Ciência; o conhecimento dessas Leis devia ser o resultado do trabalho e das pesquisas do homem, da atividade e do desenvolvimento do seu próprio espírito, e não de uma revelação ‘a priori’, que lhe tivesse dado saber sem esforço (...). O Espiritismo é baseado na existência do princípio espiritual, como elemento constitutivo do Universo; repousa sobre a universalidade e a perpetuidade dos Seres inteligentes, sobre seu progresso indefinido, através dos mundos e das gerações; sobre a pluralidade das existências corporais, necessárias ao seu progresso individual; sobre sua cooperação relativa, como encarnados e desencarnados, na obra geral, na medida do progresso realizado; na solidariedade que une todos os seres de um mesmo mundo e dos mundos entre si. Nesse vasto conjunto, encarnados e desencarnados, cada um tem a sua missão, seu papel, deveres a cumprir, desde o mais ínfimo até os anjos que não são senão Espíritos humanos chegados ao estado de Espíritos puros, e aos quais são confiadas as grandes missões, o governo dos Mundos como generais experimentados (....). Tal é, em resumo, o quadro apresentado pelo Espiritismo, e que ressalta da situação mesma dos Espíritos que se manifestam: não é mais uma simples teoria, mas um resultado da observação. O homem que encara as coisas deste ponto de vista, sente-se crescer; revela-se aos seus próprios olhos; é estimulado em seus instintos progressivos ao ver um objetivo para os seus trabalhos, para os esforços por se melhorar (...). A matéria e o Espírito são os dois princípios constitutivos do Universo. Mas, o conhecimento das Leis que regem a matéria devia preceder o das Leis que regem o elemento espiritual; só as primeiras poderiam combater vitoriosamente os preconceitos, pela evidência dos fatos”.
É muito fácil as pessoas dizerem que precisamos ter fé. Não acredito nessa fé que elas dizem ter, porque, por mais que a gente queira acreditar, sempre vai ter alguma dúvida. Por exemplo: as pessoas falam que estão salvas, que quando morrer elas vão para o céu. Mas, quando alguém morre na família, essas mesmas pessoas ficam desesperadas, aflitas. Aquela fé, que elas diziam que tinham, vai por água abaixo. Não sei que fé é essa; por isso, não acredito nessa fé que elas dizem que têm.
Fé é um sentimento que nos leva a confiar em alguma coisa ou em alguém. Assim, podemos confiar num familiar, num amigo ou numa causa que abraçamos. Podemos acreditar que a vida é só esta que estamos vivendo, como podemos acreditar que a vida continua. Há os que acreditam no céu e no inferno, como há os que acreditam na reencarnação: tudo isso são formas de crer e de conceber a vida. Mas a expressão mais elevada da fé é a fé em Deus, pois sendo Deus a idéia mais perfeita que concebemos, se nele acreditamos de fato, nos sentimos amparados e seguros. Porque o efeito principal da fé é a segurança, e a segurança, por sua vez, nos traz tranqüilidade, paz.
Existem dois estágios de fé. O primeiro é a fé natural, aquele que se desenvolve em nós, desde a infância, e que nos faz acreditar piamente nos valores que aprendemos com nossos pais, com nossos professores e com a nossa religião. Esse primeiro estágio de fé é próprio da infância, pois acredita sem questionar, aceita sem as verdades sem exigir explicações – simplesmente acredita. Essa fé provém da autoridade que atribuímos às pessoas. É o que geralmente chamamos de “boa fé”. Na criança é natural, mas no adulto chamamos de “fé cega”. Isso porque, à medida que desenvolve na pessoa o raciocínio ou pensamento crítico, é natural que ela queira maiores explicações sobre aquilo que acredita.
Mas quando a pessoa não examina com mais profundidade o objeto de sua crença, quando aceita uma coisa com muita facilidade, essa crença carecendo de base sólida, se estremece diante dos fatos que parecem contraditórios, e desmorona. É o que acontece, por exemplo, com a crença na bondade de Deus. De repente, a própria pessoa ou um ente querido começa a passar por uma dura provação, período de muito sofrimento, incluindo a perda de entes amados, e ela não tem como explicar a bondade de Deus, se a sua crença não se baseou na razão, mas apenas na fé. É quanto vem o desespero.
A Doutrina Espírita procura nos orientar no sentido de dar uma sustentação à fé. E isso se consegue pelo conhecimento e pelo uso da razão. É por isso que o Espiritismo dá tanto valor ao conhecimento, relembrando aquela frase de Jesus, “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. O conhecimento, de fato, é uma chave de libertação. Liberta-nos da ignorância. Ele não nos dá apenas a esperança no futuro, mas a certeza sólida na imortalidade e na continuidade da vida. E, libertando-nos da ignorância, liberta-nos do medo infundado, evitando as aflições do desespero.