O número de dezembro de 1861 da REVISTA ESPÍRITA dedica significativo espaço para falar sobre a Organização do Espiritismo. Entre os pontos tratados por Allan Kardec sobre a questão, encontra-se um perfil dos seguidores da Doutrina. Para refletirmos sobre a evolução de lá para cá, especialmente no Brasil onde o Espiritismo encontrou campo fértil para sua expansão, destacamos parte da análise do Codificador. Falando sobre os adeptos da revolucionária proposta, diz Kardec: - “Pode-se pôr em primeira linha os que creem pura e simplesmente nas manifestações. Para eles o Espiritismo não passa de uma ciência de observação, uma série de fatos mais ou menos curiosos; a filosofia e a moral são acessorios de que pouco se ocupam e de cujo alcance nem mesmo desconfiam. Nós os chamamos espíritas experimentadores. Vêm a seguir os que veem no Espiritismo algo mais que simples fatos; compreendem o seu alcance filosófico; admiram a moral dele decorrente, mas não a praticam; extasiam-se ante as belas comunicações, como diante de um sermão eloquente, que ouvem mas não aproveitam. A influência sobre o seu caráter é insignificante ou nula; em nada mudam seus hábitos e não se privariam de um único prazer: o avarento é sempre avarento, o orgulhoso sempre cheio de si mesmo, o invejoso e o ciumento sempre hostis. Para eles a caridade cristã é apenas uma bela máxima e os bens deste mundo os arrastam na sua estima sobre os do futuro. São os espíritas imperfeitos. Ao lado destes há outros, mais numerosos do que se pensa, que não se limitam a admirar a moral espírita, mas que a praticam e a aceitam em todas as suas consequências. Convencidos de que a existência terrena é uma prova passageira, tratam de aproveitar estes curtos instantes para marchar na via do progresso, esforçando-se por fazer o bem e reprimir as más inclinações; suas relações são sempre seguras, porque sua convicção os afasta de todo mau pensamento. Em tudo a caridade é sua regra de conduta. São os verdadeiros espíritas, ou, melhor, os espíritas cristãos. Se bem compreendido o que precede, compreender-se-á também que um grupo formado exclusivamente por elementos desta última classe estaria em melhores condições, porque entre pessoas que praticam a lei de amor e de caridade é que se pode estabelecer uma séria ligação fraternal. Entre homens para quem a moral não passa de uma teoria, a união não seria durável; como não impõem nenhum freio ao orgulho, à ambição, à vaidade e ao egoísmo, não o imporão também às suas palavras; quererão ser os primeiros, quando deveriam humilhar-se; irritar-se-ão com as contradições e não terão nenhum escrúpulo em semear a perturbação e a discórdia. Entre verdadeiros espíritas, ao contrário, reina um sentimento de confiança e de recíproca benevolência; sentem-se à vontade nesse meio simpático, ao passo que há constrangimento e ansiedade num ambiente heterogêneo. Isto faz parte da natureza das coisas e nada inventamos a respeito. Daí se segue que, na formação dos grupos, deve-se exigir a perfeição? Seria simplesmente absurdo, porque exigir o impossível e, neste ponto, ninguém poderia pretender dele fazer parte. Tendo como objetivo a melhoria dos homens, o Espiritismo não vem recrutar os que são perfeitos, mas os que se esforçam em o ser, pondo em prática o ensino dos Espíritos. O verdadeiro espírita não é o que alcançou a meta, mas o que deseja seriamente atingi-la. Sejam quais forem os seus antecedentes, será bom espírita desde que reconheça suas imperfeições e seja sincero e perseverante no propósito de emendar-se. Para ele o Espiritismo é uma verdadeira regeneração, porque rompe com o passado; indulgente para com os outros, como gostaria que fossem para consigo, de sua boca não sairá nenhuma palavra malevolente nem ofensiva contra ninguém”.
Um homem casado se apaixona por uma mulher solteira e passam a ter um caso que, mais tarde, destrói seu casamento. Ele acaba saindo do lar, deixando mulher e filhos e se une a essa mulher, dizendo que é o amor de sua vida, que ele a conheceu em vida anterior. Pergunto: esse homem pode justificar essa nova união por um amor antigo, de outra encarnação, mesmo que essa nova união tenha nascido de uma traição e acabado com sua família? (Anônimo)
Nada justifica uma traição. Isso significa que ninguém tem o direito de enganar ninguém, simplesmente para tirar proveito próprio, ignorando a dor da vítima. Nem mesmo um pretenso amor, que essa pessoa (que traiu) pode alegar, valendo-se da doutrina da reencarnação. A traição, seja ela qual o motivo, é uma das maiores violências que se pode cometer contra alguém, deixando profundas e doloridas marcas, que vão ter amargas conseqüências futuras.
Evidentemente, qualquer pessoa pode casar com alguém e depois arrepender-se, porque se enganou. Mas esse problema tem de ser resolvido às claras, avaliado, medido, e levando em consideração todo prejuízo ( não só material, mas principalmente o moral), que se está causando, se essa união tiver de ser rompida. É claro que, na lei natural ( que é a Lei de Deus), toda vez que erramos, devemos sofrer as consequências desse erro e assumir as responsabilidades devidas.
Muitos casos de separação – quando decorrentes de novo romance – visa tão somente ao conforto daquele que deu o motivo, numa demonstração tácita de seu egoísmo. Aliás, somos ainda muito egoístas, pensamos muito em nós mesmos e, se for para o nosso bem-estar ( para o nosso conforto próprio), pouco ligamos para o que possa acontecer com o outro. Não avaliamos a dor daquele que é ser deixado no meio do caminho, muitas vezes, sem condições de prosseguir sozinho.
O Espiritismo não pode agasalhar esse tipo de desculpa, embora ele não seja contra a separação, quando esta funcionar como um remédio para evitar um mal maior. Mas o Espiritismo é a favor do casamento e da durabilidade do casamento, principalmente se envolver filhos menores, porque, então, o compromisso de cada cônjuge é maior, e pesam na balança outros interesses, que não são somente os interesses particulares ou egoístas do marido e da mulher.
O problema humano não pode se resumir apenas em questão de direitos. A lei, por mais bem elaborada, não tem o condão de abranger toda as nuances da problemática humana. Há muita coisa que deve ser resolvida pelo coração. Muitas vezes, portanto, mesmo diante de uma decisão difícil, a mulher ou marido se vê na contingência de abrir mão de seus próprios direitos para não causar dor e sofrimento no outro, ou nos filhos, ou na família. São atitudes que a vida requer, quando a pessoa já conseguiu superar o egoísmo e não vive apenas para si mesma.
Ninguém tem o direito de simplesmente abandonar alguém, justificando que descobriu um amor de outra vida. Trata-se de um “escapismo”, uma justificativa “furada”, principalmente se a pessoa tiver conhecimento e adot0ar a concepção espírita. Ela deve saber que os compromissos que assumimos nesta vida com outras pessoas pesam muito na balança de nossas ações e que, agindo desavergonhadamente, ela estará criando inimigos e contraindo débitos morais para si mesma no futuro. Logo, nesse caso a reencarnação não pode servir de desculpa.
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