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terça-feira, 25 de setembro de 2012

FEA



   A família já estava dormindo quando o telefone tocou, solicitando a presença do pai no PS do Hospital das Clínicas, em São Paulo, pois seu filho mais velho tinha sido ferido gravemente durante tentativa de assalto, horas antes. O descontrole e alvoroço tomou conta de todos que, aflitos, se dirigiram ao local indicado, para a dura e triste constatação: Renato não resistira aos ferimentos resultantes dos tiros que o atingiram e viera a falecer. Jovem de apenas 22 anos, apesar da pouca idade, Renato José Sorrentino ostentava um currículo exemplar: cursava o quarto ano da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo e exercia o cargo de Analista de Sistemas da Bolsa de Valores de São Paulo. Desprendido dos bens materiais, afável, filho amoroso e dedicado aos pais e irmãos, cultivava o gosto pela música, dedicando-se ao estudo de violão clássico e piano. Cheio de planos para o futuro que se anunciava brilhante, com pressa de viver, na intenção de ganhar tempo no caótico trânsito da capital paulista, Renato adquirira uma moto que encurtava o tempo nos vários deslocamentos diários. Evidentemente não poderia supor que naquele final de noite de 5 de junho de 1984, ela fosse motivo da ação que culminaria com sua morte física. Isto porque ao término das aulas daquele dia, ao se dirigir ao estacionamento a fim de apanhar a moto, foi abordado por um rapaz que lhe pedia uma carona na garupa para sair da Cidade Universitária. “-Não podendo imaginar-lhe as reais intenções’, lembraria na carta que escreveria através de Chico Xavier, “coloquei-lhe a garupa ao dispor e seguimos juntos. Não houve tempo para muito diálogo. Passados alguns minutos, o rapaz pediu parada e deixou o pedal que eu lhe havia cedido. Mal nos defrontamos e ele sacou um revólver e os projéteis me atingiram com violência. Compreendi que era o fim. Fixei o infeliz que me prostrara sem comiseração e roguei a Deus em silêncio que me fizesse entender aquele estranho assalto, em que os meus melhores sentimentos haviam sido cruelmente explorados...O desventurado amigo ou inimigo (ainda não sei bem) procurou ganhar distância, mas foi reconhecido. A sangria desatada não me permitia qualquer movimento. Recordo-me de que alguns desconhecidos se abeiraram de mim, no entanto, meu cérebro como que se apagara”.  O desespero dos familiares e da noiva, a revolta dos colegas da Faculdade e amigos do trabalho pode ser imaginada. Embora a vida de seus pais tenha obedecido sequência normal nesses casos - velório, sepultamento, tentativa de suportação e superação da dor da perda -, a história nem a vida de Renato terminara. Exatamente cinco meses depois, seus pais restabeleceram contato com o querido filho, na noite/madrugada de 9 de novembro, na reunião pública do Grupo Espírita da Prece, em Uberaba (MG), onde Chico Xavier, entre outras, leu perante numeroso publico, a carta escrita pelo filho, elucidando dúvidas e apreensões naturais em tragédias como a que o envolveu. Na comunicação, Renato, após saudar os pais, comenta lembrar-se exatamente da última frase do jovem que o abordou ainda no estacionamento da Faculdade: “-Oi, companheiro, dê-me por favor uma carona. Sou seu colega sem nica no bolso...”. Revela ter atravessado seus derradeiros momentos nessa vida, lúcido, totalmente consciente do que se passava. Comenta que o que se seguiu foi “um torpor, que nunca imaginei pudesse ser assim tão forte”,  se lhe apoderando do corpo e da mente. Essa “anestesia”, também citada por Allan Kardec em suas considerações no capítulo sobre o PASSAMENTO no livro O CÉU E O INFERNO, é sensação recorrente nos relatos transcritos por Chico Xavier, nas centenas de cartas recebidas de forma mais intensa no últimos trinta anos de trabalho a serviço da expansão do conhecimento em torno do Espiritismo. Seguindo Renato conta: “- Quanto tempo permaneci naquele desmaio sofrido de profunda inconsciência, ainda não sei. Acordei num aposento confortável, assistido por uma senhora em cuja presença adivinhava uma enfermeira prestimosa. Não pude articular a palavra logo após retomar a própria consciência, abrindo os olhos. Notei que uma grande dificuldade me tomara a garganta e, entre pensamentos enfileirando orações, esperei o momento no qual me foi permitido falar. Então, perguntei à protetora diligente sobre o meu próprio destino, já que a minha triste cena final me voltava à memória. Estaria em algum recanto de tratamento na Terra mesmo ou me achava em algum lugar fora do plano físico? O corpo estava quebrado, dolorido. A senhora me informou que a minha presença, fosse onde fosse, lhe seria muito grata ao coração e me recomendou chamá-la por vovó Josefina. Vovó Josefina era um nome que, muitas vezes, ouvi como sendo alguém de nossa família que a morte arrebatara, e ainda estávamos naquele início de conversação, que me espantava, quando outra senhora veio até nós, abraçou-me afetuosamente e me solicitou nomeá-la por vovó Benedita. Então, não tive mais dúvida. Chorei ali mesmo, refletindo em meus queridos pais, em meus irmãos e em nossa querida Sílvia, a quem prometera casamento. Vovó Josefina consolou-me e, qual se fizesse de mim um menino de volta à infância, me fez rememorar preces do tempo de criança que eu desde muito havia esquecido... Entendi, no entanto, que não estava numa universidade e sim num santuário. O santuário do lar em cujo clima de amor formara o coração”. Evidentemente a aceitação dos fatos que o tiraram dessa vida, não foram facilmente admitidos por Renato, afinal deixava para trás tudo aquilo pelo qual lutara até o momento, bem como, projetos imaginados para o próprio futuro. Sua pouca idade física, porém, por tudo que valorizou até então sua passagem por nossa dimensão, ocultava certamente um Espírito amadurecido, até pela reação demonstrada na sequência: “-Minhas avós me recomendaram pedir à Divina Providência bastante força para perdoar ao jovem que me despojara da vida física. E quando fiz isso, com todo o meu coração, pois, repeti as petições por vários dias consecutivos até que conseguisse repeti-las com sinceridade, pensei no infeliz companheiro qual se fosse ele meu próprio irmão do lar e, desde essa hora, um calor diferente me animou por dentro da própria alma”. Ainda na carta, preservada na obra VIAJARAM MAIS CEDO (geem), Renato daria outras demonstrações de ser ele mesmo a escrever, citando dados, que de forma alguma seriam do conhecimento prévio de Chico Xavier, inclusive o nome de seu agressor – Marcelo -, que veio a saber pelas conversas ouvidas na casa dos pais, à qual se mantinha mental e emocionalmente ligado, para onde, esporadicamente, era levado pelas bisavós paternas que o acompanharam na volta ao Plano Espiritual, a fim de aplacar a saudade.

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